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A ILHA DE VENUS

A ILHA DE VENUS

«Ilha divina,

Onde quanto espalhou a natureza

Por mares, céus e terra em formosura,

Tudo ajuntou alli.»

(Almeida Garrett- Camões. Canto VIII.)

A concepção allegorica do Adamastor, no gesto tremendo e feio de gigante rebellado contra o céu e na ternura dolente de apaixonado infeliz, victima de intenso amor insatisfeito e de uma perfidia sem nome, é a mais engenhosa dos Lusiadas; a phantasmagoria da ilha dos Amores, insula divina que Venus faz surgir do fundo azul das aguas tranquillas, a moverse, no oceano, ao encontro da frota que Vasco da Gama capitaneia, é, porêm, a mais delicada, a mais viva, a mais encantadora passagem de todo o poema. Adamastor emociona, espanta e horroriza pelo mixto de pavor e compaixão que inspira a sua figura titanica e a sua historia de maguas; a ilha de Venus, interessando aos olhos, ao coração e á alma, encanta, delicia e arrebata, pela verdura macia e glauca que a enfeita, pelo perfume das flôres que a ornam, pela musica da lympha que a serpeia, pela variada chromatica que a enriquece, nos ares, no firma

mento, nas aguas e nos campos e, finalmente, pela formosura, pelas seducções e pelo recato fingido das nymphas que a povoam, sob um céu que convida ao amor, ao prazer á vida.

O arrojo, com que Luiz de Camões abre o poema pelo emprego de um dos mais perfeitos e bem lançados hyperbatons, que se conhecem em lingua portuguêsa, é o mesmo com que delineia e traça o quadro imponente da ilha dos Amores, tão colorido, tão movimentado e tão bello; toda essa estupenda e deslumbrante passagem que abrange mais de quarenta estrophes, desde que á vista dos navegantes se offerece a ilha encantada, até quando Tethys começa a prophetizar a Vasco da Gama os futuros feitos da gente lusitana, não é outra cousa senão uma extensa periphrase, entrecortada de allegorias, hyperboles e prosopopeias, pois :

«Que as nymphas do Oceano tão fermosas,
Tethys, e a ilha angelica pintada,

Outra cousa não é que as deleitosas
Honras, que a vida fazem sublimada:
Aquellas preminencias gloriosas,
Os triumphos, a fronte coroada
De palma e louro, a gloria e maravilha,
Estes são os deleites d'esta ilha.» (1)

Alcançada a meta do grande emprehendimento pelo aportar a Calecut, donde leva signaes certos e evidentes das novas terras que encontrara, Vasco da Gama inicia a volta á patria, depois de tantos perigos aspera e duramente experimentados nessa longa travessia. Venus, entretanto, affeiçoada aos

(1) Canto IX. Estrophe 89. Em nota antecedente já nos reportamos á confusão que nos offerece Camões, referindo-se a essa divindade mythologica. A deusa, aqui referida, pela natureza do proprio assumpto, só poderia ser Tethys, filha de Urano e da Terra, mãe das Oceanides e assim soberana, entre as nymphas. (M. N. Bouillet. - «Diccionaire d'Histoire et de Giographie». «Diccionario Classico Historico, Geographico e Mythologico», Lisboa 1816).

portuguêses, pela origem que elles accusavam e pelo heroismo de que davam provas, projecta e resolve compensal-os de tão pesadas fadigas, proporcionando-lhes, mesmo nos mares, onde tão atormentados e acossados tinham sido, algumas horas de doce repouso e ineffaveis prazeres, fazendo-os desembarcar em uma ilha, cujos attractivos, suavidade e primores lhes dariam esse gôso pelos prazeres do coração e do espirito; para os encantos do coração precisava do deus do amor, como para os deleites do espirito lhe era mister tecer os louros da immortalidade e da gloria. E assim, jungindo ao seu dourado carro os cysnes e as pombas que o arrebatavam sempre, parte em busca de Cupido a commetter-lhe a empreitada de amor, reservando á Tethys o encargo de proporcionar aos lusos a indescriptivel emoção de prelibarem a sua celebridade

e o seu renome:

«No carro ajunta as aves que na vida
Vão da morte as exequias celebrando,
E aquellas em que já foi convertida
Peristera, as boninas apanhando.
Em derredor da deusa, já partida,
No ar lascivos beijos se vão dando;
Ella, por onde passa, o ar e o vento
Sereno faz, com brando movimento.» (2)

A poesia desta estrophe é suave e encantadora; a periphrase com que Luiz de Camões representa os cysnes e as pombas, que Venus junge ao carro que a transporta, é simples e delicada tambem; não ha nesta estancia uma expressão dura, equivoca ou rebuscada; tudo é natural, sendo para notar a suavidade, a frescura e o donaire dos dous ultimos

versos:

(2) Canto IX. Estrophe 24",

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