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PROLOGO.

É

ao abrigo assombroso do nome de Horacio, que se-anima a apparecer hoje o meu, bem como um corpo opáco, que só reflecte os raios que lheempresta o luminar alheio. Do grande Lirico, d'aquelle génio sem par, que, medrando em estima e perpetua veneração de todas as Nações cultas, reproduzido em multiplicadas edições e innumeraveis Commentarios, rompendo ovante pela noite de dezoito seculos, assoma, qual astro do dia, a diffundir suas luzes, sempre fecundas, pelas gerações presentes, e proseguindo luminoso pela estrada infinita da posteridade leva gravado em suas obras o indelevel cunho de respeitosa e geral admiração. Eis-aqui o immortal Escritor de todos os tempos e Nações, a quem não poderião illudir os repetidos applausos dos admiradores coetaneos (1) sabendo,

(1) O mesmo Horacio declara ésta sua opinião, dizendo no verso 270:

At nostri proalvi Plautinos et numeros et
Laudavere sales: nimium patienter utrumque,
Ne dicam stulte mirati.

que lá o-estava esperando a posteridade como competente Juiz. Só o mesmo Horacio, diz um grande crítico, (2) sería capaz de nos-traçar dignamente o seu proprio retrato. Julgo por tanto, conclúe elle, ser de mais proveito empregar o tempo em o-ler e meditar, que em dar ouvidos aos que o-louvão.

Talvez, por vir a pêlo, me-perguntem agora : que excitação febril o-empuxou e compellio a sotopor seus débeis hombros a este commettimento tão

O nosso Poeta, como tão versado nas lettras gregas, não se esqueceria da recommendação de Longino, no Cap. 12 do Tratado do Sublime, quando pede que se-tenha sempre em vista o juizo, que a posteridade fará das nossas obras. Boileau tambem nos-adverte, que uma composição, tendo sido approvada por alguns conhecedores, se ella não é revestida de certo ar agradavel, e de um sal proprio para desafiar o gôsto geral dos homens, jámais passará por boa, e os mesmos louvadores se-verão assim constrangidos a confessar que se-enganárão, rendendo-lhe a sua approvação. Este mesmo Horacio Francez, na Reflexão 7.a da traducção de Longino, torna a repetir, que sómente a declaração da posteridade em abono poderá firmar o verdadeiro merecimento, pois ainda que o escritor, durante sua vida, consiga alguma reputação, e celebridade; ainda que lhe-rendão repetidos louvores; não se-deverá inferir disto com certeza, que as suas obras sejão excellentes. Um falso brilho, a novidade do estilo, certa subtileza d'espirito, que estavão então em moda, e erão do gosto do seculo, as poderião ter feito valer; e bem poderá acontecer, que nos tempos futuros se-abrão mais os olhos, e se-desprese aquillo mesmo, que tanto se-havia admirado.

(2) Agucsseau. Letr. Instructi.

arduo como arriscado, e a sahir a campo com uma Paraphrase, depois de tantas traducções e Com→ mentarios, que se-tem dado á luz, como acaba de referir, meditados com vagar, e escritos pelos mais respeitaveis humanistas? Responderei: dous forão os motivos, que me-obrigárão a dar este passo, a pezar da firme antevidencia de perigoso; o primeiro a segura persuasão em que estou, de que Horacio em alguns lugares desta Epistola não se-acha ainda explicado como, talvez, precisem e desejem os principiantes estudiosos, o que por certo não deverá provocar grande admiração se nos-recordarmos que Mr. Dacier (póde dizer-se ainda hontem) dissera, que, a pezar de tantos Commentadores, que o-havião precedido, Horacio se-achava em alguns lugares muito mal entendido; verdade ésta que quasi todos os interpretes, que se-seguírão, claramente reconhecerão, abraçando como genuinas as suas mais estudadas opiniões. E tenho até ainda mais por persuadivel que, só com o mesmo Horacio entre mãos, lendo e relendo todas as suas obras, se-poderia com maior segurança interpretar ésta. Epistola, investigando e reconhecendo com razão palpavel a luz subsidiaria, que communicão umas a outras; e annunciar ésta Epistola, sem que desafiasse grande estranheza entre homens lidos, com este singelo titulo: Epistola aos Pisões commentada por Q. Horacio Flacco. E para mais reforçar ésta opinião invocaria a autoridade d'um Crítico, (3) de pêso quando diz: A Arte Poetica

(3) Rollin. Hist. Anc. T. 1. pag. mihi 90.

de Horacio, acompanhada d'algumas das suas Sátiras e Epistolas, contém tudo o que ha de mais essencial para as regras da Poesia, e póde considerar-se este pequeno Tratado como um excellente Compendio de Rhetorica para formar o bom gos

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Dêo-me segundo motivo certo calor de indignação, provocado por ver todos os dias abatida, e novamente ressuscitada, a ociosa e pueril questão, em todo o ponto já averiguada, de se-pretender dar a uma simples Epistola ou Carta, ainda que instructiva, como são mais ou menos todas as que sahírão da penna de Horacio, o nome vasto e comArte Poetica, ou Tratado completo de

plexo de Rhetorica exigindo com rigor magistral a divisão de Capitulos, Sessões, Cantos, ou Livros; tachando, por ésta pretendida falta, de monstruosa a denominada Arte, e propalando com a voz inteira, que a urdidura é má e confusa; que as cousas estão aqui ditas a montão; mal destribuidas, sem néxo algum, e fóra dos, seus lugares; não se querendo lembrar estes Críticos praguentos, que o nosso Poeta escreveo uma Epistola familiaris, como todas as outras, e com aquella liberdade, que lhes-é propria; e que, como grande Mestre, tem por costume dizer primeiro as cousas em geral, e especifical-as depois até ás vezes com prolixa miudeza, o que o leitor imparcial observará na maior parte dos seus Escritos, como francamente declara Candido Lusitano, a pezar de nem por isso se-adjectivar muito com a ordem, que seguio o Poeta, como se ésta não fosse a melhor e unica que, como tal, deve

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