Deixão dos sete ceos o regimento, Que do poder mais alto lhe foi dado; Alto poder, que só co'o pensamento Governa o ceo, a terra e o mar irado. Alli se achárão juntos n'hum momento Os que habitão o Arcturo congelado, E os que o Austro tee, e as partes onde A aurora nasce, e o claro sol se esconde.
Estava o Padre alli sublime e dino, Que vibra os feros raios de Vulcano, N'hum assento de estrellas crystallino, Com gesto alto, severo e soberano: Do rosto respirava hum ar divino, Que divino tornára hum corpo humano; Com huma c'roa e sceptro rutilante
De outra pedra mais clara que diamante.
Em luzentes assentos, marchetados
De ouro e de perlas, mais abaixo estavão. Os outros deoses todos assentados, Como a razão e a ordem concertavão: Precedem os antiguos mais honrados, Mais abaixo os menores se assentavão;
Quando Jupiter alto assi dizendo
C'hum tom de voz começa, grave e horrendo:
Eternos moradores do luzente
Estellifero Polo e claro assento,
Se do grande valor da forte gente De Luso não perdeis o pensamento, Deveis de ter sabido claramente
Como he dos fados grandes certo intento Que por ella se esqueção os humanos De Assyrios, Persas, Gregos e Romanos.
Ja lhe foi (bem o vistes) concedido Com poder tão singelo e tão pequeno Tomar ao Mouro forte e guarnecido Toda a terra que rega o Tejo ameno. Pois contra o Castelhano tão temido, Sempre alcançou favor do Ceo sereno: Assi que sempre em fim com fama e gloria Teve os tropheos pendentes da victoria.
Deixo, deoses, atraz a fama antiga,
Que co'a gente de Romulo alcançárão,
Quando com Viriato na inimiga
Guerra Romana tanto se affamárão.
Tambem deixo a memoria, que os obriga
A grande nome, quando alevantárão Hum por seu capitão, que peregrino Fingio na cerva espirito divino.
Agora vêdes bem que, commettendo
O duvidoso mar n'hum lenho leve Por vias nunca usadas, não temendo De Africo e Noto a força, a mais se atreve; Que havendo tanto ja que as partes vendo Onde o dia he comprido e onde breve, Inclinão seu proposito e porfia
A ver os berços onde nasce o dia.
Promettido lhe está do Fado eterno, Cuja alta lei não pode ser quebrada, Que tenhão longos tempos o governo Do mar que vê do sol a roxa entrada. Nas aguas tee passado o duro Inverno, A gente vem perdida e trabalhada: Ja parece bem feito, que lhe seja Mostrada a nova terra que deseja.
E porque, como vistes, tee passados Na viagem tão asperos perigos, Tantos climas e ceos exprimentados, Tanto furor de ventos inimigos; Que sejão, determino, agasalhados Nesta costa Africana como amigos; E, tendo guarnecida a lassa frota, Tornarão a seguir sua longa róta.
Estas palavras Jupiter dizia,
Quando os deoses, por ordem respondendo, Na sentença hum do outro differia, Razões diversas dando e recebendo.
O Padre Baccho alli não consentia No que Jupiter disse, conhecendo Que esquecerão seus feitos no Oriente, Se lá passar a Lusitana gente.
Ouvido tinha aos Fados que viria Huma gente fortissima de Hespanha Pelo mar alto, a qual sujeitaria Da India tudo quanto Doris banha,
E com novas victorias venceria
A fama antigua, ou sua, ou fosse estranha. Altamente lhe doe perder a gloria,
De que Nisa celebra inda a memoria.
Vê que ja teve o Indo sobjugado,
E nunca lhe tirou Fortuna ou Caso
Por vencedor da India ser cantado De quantos bebem água do Parnaso : Teme agora que seja sepultado Seu tão célebre nome em negro vaso D'agua do esquecimento, se lá chegão Os fortes Portuguezes que navegão.
Sustentava contra elle Venus bella,
Affeiçoada á gente Lusitana
Por quantas qualidades via nella Da antigua tão amada sua Romana, Nos fortes corações, na grande estrella, Que mostrárão na terra Tingitana, E na lingua, na qual quando imagina, Com pouca corrupção crê qu'he a Latina.
Estas causas movião Cytherea;
E mais porque das Parcas claro entende Que ha de ser celebrada a clara dea Onde a gente belligera se estende. Assi que hum pela infamia que arrecea, E o outro pelas honras que pretende, Debatem, e na porfia permanecem: A qualquer seus amigos favorecem.
Qual Austro fero ou Boreas na espessura De sylvestre arvoredo abastecida
Rompendo os ramos vão da mata escura Com impeto e braveza desmedida:
Brama toda a montanha, o som murmura; Rompem-se as folhas, ferve a serra erguida: Tal andava o tumultò levantado
Entr'os deoses no Olympo consagrado.
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