Eis apparecem logo em companhia Huns pequenos bateis, que vem daquella Que mais chegada á terra parecia, Cortando o longo mar com larga vela: A gente se alvoroça; e de alegria Não sabe mais que olhar a causa della. Que gente será esta? em si diziam, Que costumes, que lei. que Rei teriam?
As embarcações eram na maneira Mui veloces, estreitas e compridas: As velas, com que vem, eram de esteira D'humas folhas de palma bem tecidas: A gente da côr era verdadeira,
Que Phaeton, nas terras accendidas,
Ao mundo deo, de ousado e não prudente: O Pado o sabe, e Lampetusa o sente.
De pannos de algodão vinham vestidos, De varias cores, brancos e listrados: Huns trazem derredor de si cingidos, Outros em modo airoso sobraçados: Das cintas para cima vem despidos; Por armas tem adargas e terçados: Com toucas na cabeça; e navegando, Anafis sonorosos vão tocando.
Co'os pannos, e co'os braços acenavam Ás gentes Lusitanas, que esperassem: Mas já as proas ligeiras se inclinavam Pará que junto ás ilhas amainassem: A gente e marinheiros trabalhavam, Como se aqui os trabalhos s'acabassem: Tomam velas, amaina-se a verga alta, Da ancora o mar ferido em cima salta.
Não eram ancorados, quando a gente Estranha pelas cordas já subia; No gesto ledos vem, e humanamente O Capitão sublime os recebia. As mesas manda pôr em continente: Do licor, que Lyeo prantado havia, Enchem vasos de vidro, e do que deitam Os de Phaeton queimados nada engeitam.'
Comendo alegremente perguntavam, Pela Arabica lingua, donde vinham? Quem eram? de que terra? que buscavam? Ou que partes do mar corrido tinham? Os fortes Lusitanos lhe tornavam As discretas respostas, que convinham: Os Portuguezes somos do Occidente, Imos buscando as terras do Oriente.
Do mar temos corrido, e navegado Toda a parte do Antarctico, e Callisto; Toda a costa Africana rodeado; Diversos ceos e terras temos visto: D'hum Rei potente somos, tão amado, Tão querido de todos, e bemquisto, Que não no largo mar, com leda fronte, Mas no lago entraremos de Acheronte.
mandado seu buscando andamos A terra Oriental, que o Indo rega: Por elle o mar remoto navegamos, Que só dos feos phocas se navega. Mas já razão parece, que saibamos, Se entre vós a verdade não se nega, Quem sois? que terra he esta que habitais? Ou se tendes da India alguns sinais?
Somos, hum dos das ilhas lhe tornou, Estrangeiros na terra, lei e nação; Que os proprios são aquelles, que criou A natura sem lei e sem razão. Nós temos a lei certa, que ensinou O claro descendente de Abrahão, Que agora tem do mundo o senhorio; A mãi Hebrea teve, e o pai Gentio.
Esta ilha pequena, que habitamos, He em toda esta terra certa escala De todos os que as ondas navegamos, De Quiloa, de Mombaça e de Sofala: E por ser necessaria, procuramos, Como proprios da terra, de habita-la: E porque tudo em fim vos notifique, Chama-se a pequena ilha Moçambique.
E já que de tão longe navegais,
Buscando o Indo Hydaspe, e terra ardente, Piloto aqui tereis, por quem sejais Guiados pelas ondas sabiamente: Tambem será bem feito, que tenhais Da terra algum refresco, e que o Regente, Que esta terra governa, que vos veja, E do mais necessario vos proveja.
Isto dizendo, o Mouro se tornou A seus bateis com toda a companhia: Do Capitão e gente se apartou, Com mostras de devida cortezia. Nisto Phebo nas aguas encerrou Co'o carro de crystal o claro dia, Dando cargo á irmãa, que alumiasse O largo mundo, em quanto repousasse.
A noite se passou na lassa frota Com estranha alegria, e não cuidada, Por acharem da terra tão remota Nova de tanto tempo desejada. Qualquer então comsigo cuida, e nota Na gente, e na maneira desusada, E como os que na errada seita creram, Tanto por todo o mundo se estenderam.
Da Lua os claros raios rutilavam Pelas argenteas ondas Neptuninas; As estrellas os ceos acompanhavam, Qual campo revestido de boninas; Os furiosos ventos repousavam Pelas covas escuras peregrinas; Porém da armada a gente vigiava, Como por longo tempo costumava.
Mas assi como a Aurora marchetada Os formosos cabellos espalhou
No ceo sereno, abrindo a roxa entrada Ao claro Hyperionio, que acordou; Começa a embandeirar-se toda a armada, E de toldos alegres se adornou, Por receber com festas, e alegria, O Regedor das ilhas, que partia.
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