Já quizeram os deoses, que tivesse O filho de Philippo nesta parte Tanto poder, que tudo submettesse Debaixo do seu jugo o fero Marte: Mas ha-se de soffrer, que o Fado desse A tão poucos tamanho esforço e arte, Que eu co'o grão Macedonio, e co'o Romano, Demos lugar ao nome Lusitano?
Não será assi; porque antes que chegado Seja este Capitão, astutamente
Lhe será tanto engano fabricado,
Que nunca veja as partes do Oriente: Eu descerei á terra; e o indignado Peito revolverei da Maura gente; Porque sempre por via irá direita, Quem do opportuno tempo se aproveita.
Isto dizendo irado, e quasi insano, Sobre a terra Africana descendeo,
Onde vestindo a fórma e gesto humano, Para o Prasso sabido se moveo:
melhor tecer o astuto engano,
No gesto natural se converteo
D'hum Mouro em Moçambique conhecido,
Velho, sabio, e co'o Xeque mui valido.
E entrando assi a fallar-lhe a tempo, e horas Á sua falsidade accommodadas,
Lhe diz, como eram gentes roubadoras Estas, que ora de novo são chegadas: Que das nações na costa moradoras Correndo a fama veio, que roubadas Foram por estes homens que passavam, Que com pactos de paz sempre ancoravam.
E sabe mais, lhe diz, como entendido Tenho destes Christãos sanguinolentos, Que quasi todo o mar tem destruido Com roubos, com incendios violentos: E trazem já de longe engano ordido Contra nós; e que todos seus intentos São para nos matarem e roubarem, E mulheres e filhos captivarem.
E tambem sei, que tem determinado De vir por agua á terra muito cedo O Capitão, dos seus acompanhado; Que da tenção damnada nasce o medo. Tu deves de ir tambem c'os teus armado Espera-lo em cilada, occulto e quedo; Porque, sahindo a gente descuidada. Cahirão facilmente na cilada.
E se inda não ficarem deste geito Destruidos, ou mortos totalmente, Eu tenho imaginada no conceito Outra manha e ardil, que te contente: Manda-lhe dar piloto, que de geito Seja astuto no engano, e tão prudente, Que os leve aonde sejam destruidos, Desbaratados, mortos, ou perdidos.
Tanto que estas palavras acabou, O Mouro nos taes casos sabio, e velho, Os braços pelo collo lhe lançou, Agradecendo muito o tal conselho: E logo nesse instante concertou Para a guerra o belligero apparelho; Para que ao Portuguez se lhe tornasse Em roxo sangue a agua, que buscasse.
E busca mais, para o cuidado engano, Mouro, que por piloto á nao lhe mande, Sagaz, astuto, e sabio em todo o dano, De quem fiar-se possa hum feito grande: Diz-lhe, que, acompanhando o Lusitano, Por taes costas e mares co'elle ande, Que, se d'aqui escapar, que lá diante Vá cahir, d'onde nunca se alevante.
Já o raio Apollineo visitava
Os montes Nabatheos accendido, Quando o Gama co'os seus determinava De vir por agua a terra apercebido: A gente nos bateis se concertava, Como se fosse o engano já sabido: Mas pôde suspeitar-se facilmente; Que o coração presago nunca mente.
E mais tambem mandado tinha a terra De antes pelo piloto necessario;
E foi-lhe respondido em som de guerra: Caso do que cuidava mui contrario. Por isto, e porque sabe quanto erra, Quem se crê de seu perfido adversario, Apercebido vai, como podia,
Em tres bateis sómente, que trazia.
Mas os Mouros, que andavam pela praia, Por lhe defender a agua desejada,
Hum de escudo embraçado, e de azagaia, Outro de arco encurvado, e setta ervada,
Esperam que a guerreira gente saia;
Outros muitos já postos em cilada:
porque o caso leve se lhe faça,
Põem huns poucos diante por negaça.
Andam pela ribeira alva, arenosa, Os bellicosos Mouros acenando Com a adarga, e co'a hastea perigosa, Os fortes Portuguezes incitando. Não soffre muito a gente generosa
Andar-lhe os cães os dentes amostrando: Qualquer em terra salta tão ligeiro,
Que nenhum dizer póde, que he primeiro.
Qual no corro sanguino o ledo amante, Vendo a formosa dama desejada, O touro busca, e pondo-se diante, Salta, corre, sibila, acena e brada: Mas o animal atroce nesse instante, Com a fronte cornigera inclinada, Bramando duro corre, e os olhos cerra, Derriba, fere, e mata e põe por terra:
Eis nos bateis o fogo se levanta Na furiosa e dura artilheria;
A plumbea pella mata, o brado espanta, Ferido o ar retumba, e assovia: O coração dos Mouros se quebranta; O temor grande o sangue lhe resfria: Já foge o escondido de medroso, E morre o descoberto aventuroso.
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